O caderno Diversão&Arte, do Correio Braziliense de domingo (4/9), apresentou mais uma iniciativa do Clube do Choro para incentivar a cultura da cidade: o Café Musical! Um novo espaço para os artistas e o público de Brasília diante da Lei do Silêncio implantada na capital federal. Confira a matéria completa do jornalista Irlam Rocha Lima:
ESPAÇO DE SOBREVIVÊNCIA
Os rigores da Lei do Silêncio e a crescente diminuição de espaços para os músicos da cidade exercerem o seu ofício têm deixado a classe artística brasiliense preocupada. Com isso, o público — cada vez mais — , deixa de usufruir da manifestação cultural que melhor representa a capital, tanto no Brasil quanto no exterior.
Assim sendo, uma onda de entusiasmo se verifica quando é anunciado o surgimento de um novo palco para receber instrumentistas, cantores e grupos, intérpretes de diferentes estilos musicais, num local já consagrado e em área nobre: o prédio com a grife de Oscar Niemeyer, no Eixo Monumental, onde funciona o Espaço Cultural do Choro.
Na parte externa do edifício, passa a funcionar, ainda este mês, o Café Musical, que se propõe a ser uma opção a mais para quem deseja levar às pessoas o trabalho que vem realizando. “Os que cultuam as diversas vertentes da MPB, vão poder se deleitar com o que melhor se produz em Brasília nesse segmento”, antecipa Henrique Neto, coordenador do espaço.
Coordenador, também, da Escola Brasileira de Choro Raphael Rabelo, Henrique é um profundo conhecedor do que é feito musicalmente por seus pares, de diferentes gerações. Para levar adiante a proposta desse empreendimento — a ideia foi desenvolvida com as irmãs Heloísa e Marília — ele teve o respaldo do pai Henrique Santos Filho, o Reco do Bandolim, presidente do Clube do Choro.
“Instalado num local arborizado, na parte externa do Espaço Cultural do Choro, o Café Musical está distante das áreas residenciais do Plano Piloto. Assim, as apresentações dos músicos, não vão incomodar os moradores das quadras, nem causar problema à vizinhança, que costuma evocar a Lei do Silêncio”, destaca o coordenador.
OUTRAS LINGUAGENS
Mas não são apenas os shows que terão acolhimento no café. Representantes de outras linguagens artísticas serão contemplados. “Vamos abrir espaço, por exemplo, para lançamento de discos, e de livros que focalizem assuntos ligados à música, e também para recital de poesia e exposição de fotografia”, ressalta Marília Castro, que participou ativamente da revitalização do Café Musical
Ela acrescenta: “Temos um lounge com pufes e um pequeno acervo de livros sobre a história do choro e a música popular brasileira. Nosso cardápio traz itens como quiches, escondidinhos, caldos, salgados, bolos e o pão de queijo, feito com o legítimo queijo suíço, sucesso no Espaço Cultural do Choro”.
Um grande painel com fotos de mestres do choro e da MPB como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Tom Jobim, Chico Buarque e Paulinho da Viola, homenageados em projetos do Clube do Choro, é destaque na decoração do Café Musical, complementada por plantas ornamentais. O lugar tem capacidade para até 60 pessoas espectadores, mas há espaço para as pessoas assistirem às apresentações em pé.
“Vamos desenvolver programação de segunda a sexta-feira, entre as 18h e as 21h, a partir de meados deste mês. Aos sábados, na parte da tarde, pretendemos retomar o espírito informal das rodas de choro, que ocorriam na antiga sede nos primórdios da instituição. Entraremos em contato com os chorões da velha guarda visando trazê-los de volta para o âmbito do Clube do Choro”.
Henrique Neto se refere a, entre outros, José Américo (pai de Hamilton de Holanda e Fernando César), Eli do Cavaco, Walcy Tavares, Carlinhos 7 Cordas, Flávio Amadeu, Augusto Contreiras, Carlinhos 7 Cordas, Pinheirinho, Tonho do Pandeiro, Valdeci e os irmãos Jaime e Beth Ernest Dias. Nessas reuniões, os alunos da Escola Brasileira de Choro, poderão conviver com músicos que contribuíram para implantar a cultura do chorinho na cidade.
A REDENÇÃO DA ARTE
Quando se juntou aos irmãos Henrique Neto e Heloísa para reciclar o Café Cultural e transformá-lo num espaço para os músicos da cidade e artistas ligados a outras manifestações culturais, mostrarem seus trabalhos, Marília Castro tinha em mente oferecer uma opção a mais para os “sem palco”. “Por causa da polêmica que se instaurou, em decorrência da Lei o Silêncio, alguns estabelecimentos que acolhiam músicos, poetas e outros artistas fecharam as portas”, diz. “Logo numa cidade onde brotam tantos artistas talentosos”, acrescenta.
Gabriela Tunes, flautista e uma das líderes do movimento Quem desligou o som? observa que restaram poucos bares e restaurantes que oferecem música ao vivo; e saúda a abertura para o segmento do Café Musical. Lei do Silêncio, “aplicada de maneira arbitrária, é uma ferramenta de controle da ocupação dos espaços pelos artistas, que criminaliza a música ao vivo”.
Ela vê o Clube do Choro como um templo da música instrumental no Brasil, que tem um nível de formalidade muito bom, para a apresentação de músicos e grupos de excelência. “Mas existe a necessidade de espaços mais informais, em que a performance seja menos exigida, e onde o artista possa ousar mais. Com essa carência de espaços é importantíssimo que haja lugares como o Café Musical, fundamental para o desenvolvimento de uma cena musical consistente na cidade”.
FALTA DE OPÇÕES
O cantor e compositor André 14 Voltas é outro que questiona a Lei do Silêncio. “Cada vez mais o artista que se apresenta com banda está impedido de exercer sua profissão no circuito noturno da capital. “Há um cuidado, uma preocupação dos donos das casas em não ultrapassar os 55 decibéis. Com isso, você tem que fazer show de voz e violão e tocar baixinho”.
A cantora Dani Machado também reclama de ausência de locais em que trabalhos mais elaborados. “Eu me alegro com o surgimento do Café Musical, nas dependências do mítico Clube do Choro. Assim, além do Feitiço Mineiro e do Café Savana, passamos a contar com mais um palco”.
Nelson Serra, que comanda uma roda de choro aos sábados, no Feitiço Mineiro, também que conhecer o Café Musical. “Todos os músicos devem estar felizes poder contar com mais essa alternativa. Tomara que o exemplo desse novo point para a classe, venha inspirar donos de casas noturnas que fecharam as portas para a música ao vivo, revejam sua decisão”, afirma o bandolinista.
Uma das mais elogiadas intérpretes da cena musical brasiliense, a uruguaia Gabriela Doti acha que a Lei do Silêncio tem como principal alvo a música ao vivo. “É uma ação que acaba penalizando os empreendedores que buscam abrir as portas para a arte. Bem-vindo seja, portanto, o Café Cultural, que vem contribuir com o movimento artístico e com a formação da identidade cultural de Brasília”.